sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Carta ao amigo José

Por David Marques

Caro José

Tomei a liberdade de escrever esta carta aberta porque ao longo dos últimos anos acabei por perder o teu contacto. A tua vida inquieta contrasta com a minha, que se vai passando como nos tempos do liceu. Sim Zé, bem sei o quanto me desprezas por continuar a apreciar torresmos com cerveja, mas foi esta a vida que escolhi, longe dos lampejos que agora te encandeiam como nunca antes.

No entanto, como os verdadeiros amigos são solitários juntos, aqui estou eu: estendendo a mão a quem mais precisa depois de tantos anos. Sei que, apesar de não ter o privilégio de te contemplar há mais de três décadas – a não ser naquela oportunidade em que vieste ao casamento da tua prima aqui em Alijó – continuas generoso, sempre disposto a ajudar não só o próximo como também os seus amigos. Ainda hoje recordo com nostalgia e uma lágrima no olho o dia em que no pátio do recreio, no intervalo da parte a tarde por volta das três e vinte e um antes de irmos ao Chico das bicicletas besuntar-nos em óleo, defendeste a Conceição – aquela menina de olhos azuis-claros como água – daqueles matulões malfeitores da turma da sétima classe que há quase uma semana estavam de olho nela. Claro que acabaste por cobrar a devida recompensa à Sãozinha, porque aqueles hematomas não podiam passar impunes, mas sempre a defendeste como nunca vi um homem defender uma mulher. Ainda hoje sempre que dou de caras com ela pergunto-me por que raio sempre foste tão solidário com ela, é que não imaginas como continua pavorosa. Ainda assim, depois de teres mostrado a tantos de nós o teu nobre carácter e bondade espiritual – não me esqueço quando venceste o prémio de jovem paroquiano do ano – parecem ser cada vez mais os que duvidam de ti. Não entendem que o teu único objectivo é resolver os problemas de todos nós. Mal-agradecidos esses que te acusam de teres falsificado o teu curso, logo tu que tinhas a tabuada na ponta da língua sem ter de contar pelos dedos. E mais ingratos são os que te culpam vezes sem conta de pressões institucionais e de tráfico de influências, quando a única vez em que te vi nesse ramo acabaste rapinado, quando tentaste vender um cromo do Pantera Negra, o mais raro de todos, no mundial dos Magriços em 1966.

Por tudo isto peço-te Zé: volta para perto de nós. Se precisares ainda tenho um lugar como assistente de Serralheiro na minha oficina. Sim, sempre te disse que um dia as madeiras do tio António seriam minhas…e aqueles calendários todos das meninas.

Do teu amigo que te guarda no coração com saudade

Manuel Escanifrado

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